domingo, 4 de maio de 2014

Situação Cotidiana?

Vejo o mundo sempre de uma maneira distante, longe de ser desinteressada, mas reservada. A expansão de vozes e emoções me deixa sempre espantado. É essa maneira que não cultivo mas que cultiva a mim e que costumo cabralinizar chamando de palo seco.

Racionalizando todos os passos e todas as emoções sempre incorremos em interessantes incongruências surgidas exatamente das emoções que afloram a nossa própria revelia. Cumprimento cordialmente todas as pessoas, raramente altero minha voz e uma vez por século altero meu semblante. A despeito de todo esse esforço de aparência sou capaz de perceber o que se passa no mundo e até mesmo de me emocionar. Acostumado que estou com esse agir técnico, as vezes me espanto com a empatia, com a simpatia ou com a antipatia. Sou sensível, portanto, a qualquer pathos. Para encerrar, a minha busca firme é a de eutimia, da raiz grega thimós, ou seja, alma, vida ânimo e grande parte das minhas ações tem essa origem.


Em resumo, sou extremamente sensível a excitação de emoções. Na função que ocupo isso pode ser bastante desagradável porque é incrivelmente frequente que eu seja atacado pessoalmente, ou de maneira torpe, ou tenha que agir de maneira que ofenda às emoções de certos interessados em função da necessidade de dar cumprimento as normas. Essas são situações cotidianas.

Contudo, recentemente, uma professora teve que resolver alguns problemas em meu gabinete, procuramos dar o melhor andamento ao problema e ela aproveitou para me presentear com um livro de poemas, dizendo que sabia que eu gostava de poesias.

Acontece que eu gosto mesmo de poesias e aquele era um gesto de gentileza gratuita, não era uma relação formal no ambiente de trabalho, continha um ingrediente de empatia que considerei espantoso. Normalmente eu sequer converso com estranhos, mesmo que conheça aspectos pessoais a respeito de alguém não me sinto autorizado a falar sobre eles a não ser que me sejam confidenciados pela própria pessoa. Não tenho certeza de como reagi, mas acho que a recepção do presente foi mais glacial do que a pessoa imaginava que ia ser. De toda forma, estava comovido.

Minhas amizades são tão poucas que não lembro como começaram, talvez essa seja uma forma.

Obviamente li o livro, “Solidão Equilibrista”, de uma poeta paraibana radicada em Fortaleza, Bernadete Beserra e gostaria de deixar registradas algumas considerações.

A autora não deve ter se debruçado muito tempo sobre a obra de Antônio Cândido, sua poesia vai praticamente ao encontro do que é preconizado pelo grande crítico. Mas dá certo! É uma poesia extremamente pessoal, em que a paixão, ou as antigas paixões românticas se escancaram, em que sua história se funde com grande ludicidade.
Ela apresenta seu metapoema sobre a poesia, em “Curandeiro de Palavras” não há poesia,

O que há são versos engasgados,
Balbuciandos, ensanguentados, moribundos
..................................
E poetas correndo atrás deles de bisturi na mão
E maleta de remédios

Esses versos deixam claros que deve-se esperar uma poesia cortante, mas também uma poesia que luta por curar as chagas, muitas vezes de si próprio. Esse possível excesso de “si mesmo” não transparece como defeito em nenhum momento, mas como elemento de força a medida em que dor, lirismo e o lúdico se entrelaçam para tecer a trama poética.

O material do poema é sempre de origem bastante prosaica, substantivos inesperados aparecem e desaparecem em um desenvolvimento rítmico bastante pessoal, com referências ao mundo onírico e uma suavidade simbolista e lúdica. Do ponto de vista de desenvolvimento da matéria poética e do uso do ritmo poder-se-ia encontrar uma semelhança com Camilo Peçanha transferido para Sumé do século XXI.
Esse tipo de desenvolvimento é bastante nítido no poema que dá título ao livro:

Eu sei da sua solidão
Que sonha com os prazeres de meu corpo de acrobata
E os meus gemidos de séculos de desejos
E noites de blasfêmias

Também não se pode deixar de notar o poema “ALA F” de conteúdo intenso em que se vê o enorme trabalho da poeta em determinar as imagens mais corretas para garantir o fluxo de expressão e ao mesmo tempo deixar entrever apenas ao leitor, para que cada um preencha ali os sentimentos e verbos que faltam.
Pessoalmente, a “Cancão ao pé de bambu” toca mais ao coração, inicia lírico na medida de “O rio Tejo que passa pela minha Aldeia”, caminha citando Bandeira e assumindo dele o ritmo logo na segunda estrofe e prossegue numa experiência mosaica com parlendas e jogando citações que completam o seu sentido, trazendo de volta Fernando Pessoa como matéria do poema e não mais como imitação e jorrando o prosaico como o rio chico de melo.

Esse personalismo todo, expresso de forma lírica com grande competência é o avesso da minha profissão de fé acima, esse meu mundo sertão por dentro, sertão de Guimarães e por isso nada mais tenho a dizer do que usar mais um poema de Bernardete multicultural e cosmopolita

Safe Heaven II
Gostei de você assim
- à primeira vista –
As montanhas, o verde, a umidade
Contraparte quase-perfeita do meu sertão

Plano, cinza e seco

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