Vejo o mundo sempre de uma
maneira distante, longe de ser desinteressada, mas reservada. A expansão de vozes
e emoções me deixa sempre espantado. É essa maneira que não cultivo mas que
cultiva a mim e que costumo cabralinizar
chamando de palo seco.
Racionalizando todos os passos e todas as emoções sempre incorremos em interessantes incongruências surgidas exatamente das emoções que afloram a nossa própria revelia. Cumprimento cordialmente todas as pessoas, raramente altero minha voz e uma vez por século altero meu semblante. A despeito de todo esse esforço de aparência sou capaz de perceber o que se passa no mundo e até mesmo de me emocionar. Acostumado que estou com esse agir técnico, as vezes me espanto com a empatia, com a simpatia ou com a antipatia. Sou sensível, portanto, a qualquer pathos. Para encerrar, a minha busca firme é a de eutimia, da raiz grega thimós, ou seja, alma, vida ânimo e grande parte das minhas ações tem essa origem.
Em resumo, sou extremamente
sensível a excitação de emoções. Na função que ocupo isso pode ser bastante
desagradável porque é incrivelmente frequente que eu seja atacado pessoalmente,
ou de maneira torpe, ou tenha que agir de maneira que ofenda às emoções de
certos interessados em função da necessidade de dar cumprimento as normas.
Essas são situações cotidianas.
Contudo, recentemente, uma
professora teve que resolver alguns problemas em meu gabinete, procuramos dar o
melhor andamento ao problema e ela aproveitou para me presentear com um livro
de poemas, dizendo que sabia que eu gostava de poesias.
Acontece que eu gosto mesmo de
poesias e aquele era um gesto de gentileza gratuita, não era uma relação formal
no ambiente de trabalho, continha um ingrediente de empatia que considerei
espantoso. Normalmente eu sequer converso com estranhos, mesmo que conheça
aspectos pessoais a respeito de alguém não me sinto autorizado a falar sobre
eles a não ser que me sejam confidenciados pela própria pessoa. Não tenho
certeza de como reagi, mas acho que a recepção do presente foi mais glacial do
que a pessoa imaginava que ia ser. De toda forma, estava comovido.
Minhas amizades são tão poucas
que não lembro como começaram, talvez essa seja uma forma.
Obviamente li o livro, “Solidão
Equilibrista”, de uma poeta paraibana radicada em Fortaleza, Bernadete Beserra
e gostaria de deixar registradas algumas considerações.
A autora não deve ter se
debruçado muito tempo sobre a obra de Antônio Cândido, sua poesia vai praticamente
ao encontro do que é preconizado pelo grande crítico. Mas dá certo! É uma
poesia extremamente pessoal, em que a paixão, ou as antigas paixões românticas se
escancaram, em que sua história se funde com grande ludicidade.
Ela apresenta seu metapoema sobre
a poesia, em “Curandeiro de Palavras” não há poesia,
O que há são versos engasgados,
Balbuciandos, ensanguentados, moribundos
..................................
E poetas correndo atrás deles de bisturi na
mão
E maleta de remédios
Esses versos deixam claros que
deve-se esperar uma poesia cortante, mas também uma poesia que luta por curar
as chagas, muitas vezes de si próprio. Esse possível excesso de “si mesmo” não
transparece como defeito em nenhum momento, mas como elemento de força a medida
em que dor, lirismo e o lúdico se entrelaçam para tecer a trama poética.
O material do poema é sempre de
origem bastante prosaica, substantivos inesperados aparecem e desaparecem em um
desenvolvimento rítmico bastante pessoal, com referências ao mundo onírico e
uma suavidade simbolista e lúdica. Do ponto de vista de desenvolvimento da
matéria poética e do uso do ritmo poder-se-ia encontrar uma semelhança com
Camilo Peçanha transferido para Sumé do século XXI.
Esse tipo de desenvolvimento é
bastante nítido no poema que dá título ao livro:
Eu sei da sua solidão
Que sonha com os prazeres de meu corpo de
acrobata
E os meus gemidos de séculos de desejos
E noites de blasfêmias
Também não se pode deixar de
notar o poema “ALA F” de conteúdo intenso em que se vê o enorme trabalho da
poeta em determinar as imagens mais corretas para garantir o fluxo de expressão
e ao mesmo tempo deixar entrever apenas ao leitor, para que cada um preencha
ali os sentimentos e verbos que faltam.
Pessoalmente, a “Cancão ao pé de
bambu” toca mais ao coração, inicia lírico na medida de “O rio Tejo que passa
pela minha Aldeia”, caminha citando Bandeira e assumindo dele o ritmo logo na
segunda estrofe e prossegue numa experiência mosaica com parlendas e jogando
citações que completam o seu sentido, trazendo de volta Fernando Pessoa como
matéria do poema e não mais como imitação e jorrando o prosaico como o rio
chico de melo.
Esse personalismo todo, expresso
de forma lírica com grande competência é o avesso da minha profissão de fé
acima, esse meu mundo sertão por dentro, sertão de Guimarães e por isso nada
mais tenho a dizer do que usar mais um poema de Bernardete multicultural e
cosmopolita
Safe Heaven II
Gostei de você assim
- à primeira vista –
As montanhas, o verde, a umidade
Contraparte quase-perfeita do meu sertão
Plano, cinza e seco
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