quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Discurso no InterPET/UFCG - 2016




Unreal City,
Under the brown fog of a winter dawn,
A crowd flowed over London Bridge, so many,
I had not thought death had undone so many.
Sighs, short and infrequent, were exhaled,


Não pergunto quem construiu Tebas, a de sete portas. Pergunto para o que serve uma gaivota, ou os lilases que germinam da terra morta?
Para que servem alunos e professores?
Para que serve o conhecimento?

 
São perguntas retóricas que pretendo responder a seguir e discutir as suas consequências.
A evolução das espécies em acordo com a seleção natural dos indivíduos mais aptos a reprodução, ou sua versão mais recente, dos genes mais aptos, é uma das mais robustas teorias científicas que o homem já criou e corroborou. Essa visão de mundo teve profundos impactos na ciência e na sociedade desde a sua concepção, não obstante a existência, ainda hoje, de setores mistificadores recalcitrantes.
Nessa ótica, a gaivota, os lilases e todos os organismos vivos não servem para absolutamente nada, não há implicações teleológicas na evolução das espécies, nenhuma finalidade específica que guie ou coordene o processo evolutivo senão o equilíbrio mutável dos reservatórios gênicos. Não custa lembrar que o hábito de emprestar a história ou a sociedade alguma finalidade abstrata, influência darwiniana comum a partir do século XIX, da qual ainda não estamos livres, teve como consequência um grande número de revoluções e um grande banho de sangue, sem que se tenha notado algum benefício concreto no que diz respeito às condições gerais da população.
O que nos serve para não nos deixar entorpecer com cantos de um estado da natureza de harmonia, mantendo os olhos e mentes abertos. Baudelaire quem sabe nos empresta alguma boutade para esse estado natural

Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.

Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vícios ancestrais.


Quiçá acredite que seja o conhecimento de alguma serventia. Mas o conhecimento como que não tem suporte material, é essência pura que reside em outra esfera que não toca no que vivemos.
Conhecimento se aprende e apreende, se ensina e se acumula, mas não serve. Servindo a alguém se degenera, não presta e não se presta, pois que o conhecimento é ideia pura, ideia é a liberdade suprema.
Conhecimento não é contingente.
Resta ainda uma pergunta que fiz na introdução, acerca do aluno ou do professor.
— Hypocrite lecteur, — mon semblable, — mon frère!
Talvez fosse melhor que também não servissem, mas servem. A educação escolar como um todo serve para a preservação de uma estrutura de sociedade, um habitus, entrementes somos agentes políticos perpetradores de um sistema de justiça ou de injustiça social, sobrevalorizados no que diz respeito ao potencial verdadeiro de formação e subvalorizados naquilo que efetivamente conseguimos e podemos alcançar.
O que fazemos aqui, então?
Cerrei a porta do estoicismo logo no início do discurso, cuidadosamente evito o cinismo, de um de outro, contudo, devo tomar a discussão acerca das paixões.
A episteme vem ao mundo por meio do logos, da palavra falada, a mesma palavra usada na versão grega da bíblia para se referir a Jesus Cristo no Evangelho de São João.
Na expressão da palavra esgueira-se a volição, dando forma ao conhecimento segundo a expressão de suas paixões, como palavra falada ou pensada que se redescobre no fazer da técnica em sua origem etimológica, do empreendimento técnico que engloba o empreendimento artístico e poético.
Conhecimento aplicado no mundo real, moldando por suas paixões, expressando suas vontades, esse é o átomo universitário, o elemento indivisível por excelência que é aqui abraçado, cuidado, aceito. Não é possível que existam sem a realidade a sua volta, sem o conjunto de conhecimentos que possuem, e que se alarga, e tampouco sem suas paixões que permitem a consecução do que quiserem fazer.
Queremos a aplicação dos seus conhecimentos segundo os melhores princípios da técnica, como é tão comum dizer nos juramentos de colações de grau, mas queremos mover suas paixões. É a vontade se manifestando que liga cada indivíduo ao resto da sociedade.
Uma sociedade ilustrada tem que se fundamentar em princípios sólidos.
É necessário prezar mais o direito ao dissenso do que a vontade de estar certo, ou seja, é necessária a tolerância, ainda que sem perder de vista o amor a verdade e ao conhecimento.
É necessário reconhecer os mecanismos democráticos que permitem a participação dos povos em suas constituições, sejam elas universitárias ou nacionais. Reconhecer os mecanismos que defendem as nações da ditadura, principalmente da mais insidiosa das ditaduras, a ditadura da maioria. Precisamos todos atuar, responsavelmente, nos processos decisórios, seguindo os ritos formais que tanto nos protegem das tiranias e dos falsos profetas.
É necessário evitar cair na falácia da igualdade de oportunidade e pensar uma atuação voltada para uma continuamente construída justiça social, lastreada no conceito de justiça como equidade, de forma que as injustiças veladas de uma sociedade que as perpetra possam ser desmascaradas.
É necessário saber evitar as respostas fáceis, cerrar os ouvidos para o sibilar dos maledicentes e descriminar o verdadeiro discurso da fala que tem por fito toldar a visão e manipular.
E desvelamos mais uma característica importante desse nosso átomo cultural constituído de um indivíduo solitário na sociedade, com conhecimento, vontade – e paixões, e ética. O amor a verdade em uma vida em sociedade só pode resultar no amor pela liberdade, pela democracia e pela justiça.
Para todos os petianos aqui reunidos, esse discurso representa o seu dia a dia e é por isso que um programa como esse mantem a sua importância e move tantas emoções, ou seja, porque o PET não serve a nada, senão a vocês petianos, senão à construção de uma sociedade cada vez melhor.
A UFCG é um sonho que se sonha junto e é um orgulho tê-los como parceiros nesse meu sonho.

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