domingo, 7 de junho de 2015

Gnoseologia do conhecimento

 
O que realmente queremos dizer quando afirmamos que conhecemos alguém?

Parece razoável supor que conhecimento exige, no mínimo, a existência de dados da experiência.

No presente caso refutarei completamente a objetificação de uma pessoa, sujeito, de forma que podemos considerar esse problema uma instância da classe de problemas de bi-subjetivação. Aplicável a alguns verbos como amar, odiar, encontrar, conhecer, simpatizar...

Podemos dividir em duas essa classe, aquela cujo verbo representa uma ação abstrata e aquela cuja ação denotada pelo verbo é concreta. 

A primeira classe toda pode ser reduzida a análise do verbo ver, considerando sua objetividade tão forte quanto possível na acepção de que é necessário haver um emissor de luz e um receptor para que a ação de ver ocorra da forma apropriada (ou sua negação ocorra, com a inexistência da luz). Quaisquer flexões semânticas que se construam são variantes sentimentais, de entonação, brilho que podem ser perfeitamente cambiadas pela aspereza de estilo e maior simplicidade quando necessário for o melhor entendimento.

É o caso aqui de argumentar que o outro caso de bi-subjetivação, embora aparentemente muito mais rico do que o primeiro, não é equivalente senão ao uso de um único verbo também. 

No panorama abstrato de dois humanos em abstrata ação cabe apenas analisar o significado verbo amor entre eles. 

Para que deixemos isso substantivamente claro acrescento alguns cuidados. Consideraremos os casos de um verbo agindo sobre outro sujeito. Um sujeito é um subconjunto do grupo de indivíduos (não necessariamente humanos). É certo que o complemento de um grupo de indivíduos é também um subconjunto do grupo de indivíduos e portanto é sempre possível considerar a ação do verbo sobre o conjunto inicial ou sobre o seu complemento que assume as vezes de negativa. Por óbvio todos os verbos dessa categoria possuem suas negativas em sentido e completamos perfeitamente o ciclo da língua e seus significados, graças a um característica singular do corte de sujeitos que fizemos dotado de uma topologia peculiar.

De maneira mais clara, analisar "eu amo A" é idêntico em conteúdo semântico de "eu não amo (não A)" e o operador lógico pode ser utilizado no nível da ação de amar como também para conjugar um novo verbo "não amo" = odeio. E tais procedimentos podem ser feitos para quaisquer verbos dessa classe.

Assim deixamos evidente que podemos dividir pela metade a classe e considerar apenas os verbos de ação "positiva" como "amar", "conhecer", "desejar"...

Posto isso, ainda quero deixar claro que a diferença entre todos os verbos dessa categoria não é senão estilística. Podendo todos os seus sentidos serem reduzidos ao entendimento do verbo amar justamente porque esse já contém em si o necessário grau de subjetividade para obliterar as possíveis fronteiras de definição entre os outros verbos aqui colocados.

Retornando a questão do conhecimento, parece que a sentença "Eu conheço Eu" que gramaticalmente assume a forma "Eu me conheço" é o mais próximo que possuímos da identidade nesse conjunto de sentenças. 

Contudo o conhecimento pressupõe alguém que o adquire e portanto o Eu que é conhecido não pode ser todo o Eu que conhece ao mesmo tempo, devendo em cada momento esconder de si uma parte que ainda está por ser conhecida e só o pode quando consideramos o infinito movimento de esconder e revelar do sujeito. Em cada instante é quebrada a aparente cadeia infinita e é possível, por pedaços conhecer mas não se resolve a inteireza e há sempre uma arbitrariedade. 

Dessa ambiguidade surge a verdadeira resposta para o problema, os indivíduos se auto-preservam e agem no que consideram ser seu melhor interessa. Dessarte o Eu que conhece, sabiamente escolhe conhecer a melhor parte disponível de seu Eu a cada instante e outro nome não podemos dar para isso se não amor. Logo o conhecer a si mesmo não passa de amar a si mesmo. 

Não é relevante considerar casos de pessoas que em verdade parecem não se amar porque essa seria apenas uma camada a mais no ciclo desse amor infinito que conteria uma etapa anterior em que o Eu sujeito observaria apenas o que consideraria ser sua pior parte disponível, contudo estaria assim agindo segundo seu prazer de se odiar.

Dessa forma fica-se logo exposto que a questão do conhecimento como originalmente colocado vai por terra completamente. Não há aqui que se falar em crença justificada uma vez que tanto a crença como a justificação estão ao dispor do Eu que deseja conhecer. Ou seja, nego em absoluto a possibilidade de um conhecimento interno de um indivíduo que não seja para atender a seus interesses, ou seja, para que continue se amando, ou seja, para garantir sua preservação. Sem que se use o recurso de alguma moral absoluta, resta para o autoconhecimento garantir que se faça o melhor para si em cada momento, o que não é pouco. Qualquer outro escrutínio interior é totalmente vazio de significado.

Talvez no intuito de investigar o mais simples tenhamos quedado numa patologia. O que será então de conhecer alguém?

Qual é o experimento ideal que podemos realizar para conhecer de alguém? É possível que façamos qualquer medida dessa natureza sem que coloquemos toda a nossa natureza também a ser medida?

Talvez eu possa conhecer de alguém por ler distanciadamente tudo quanto for de uma narrativa acerca dessa, mas não há nenhuma diferença disso a leitura de um bom (ou mau) romance, onde julgamos conhecer os personagens. Contudo é ao autor que eles servem e podem mudar drasticamente conforme seja esse o comando da mente letrada que ela também não pode resistir e também se entrega, na escrita. 

Se não podemos sequer contar a história de outrem sem que nos misturemos, como poder conhecer alguém? 

É apenas o conjunto EU e OUTRO que pode SE conhecer. E nesse caso é novamente a identidade levantada acima e novamente NÓS AMAMOS é o que está em jogo. 

Não significa de maneira alguma que não haja aqui questões com a perspectiva, é apenas de nosso próprio ponto de vista que CONHECEMOS, ou AMAMOS. 

Aqui talvez esteja uma grande razão para a inexistência do verbo FELIZAR, que colocaria como imposição o alinhamento de perspectivas de maneira perene. Se conseguimos nos alinhar ora aqui ora ali, com aqueles que consideramos nossos próximos, devemos nos dar por satisfeitos. 

Teria o cético um consolo ao pensar que tampouco deve existir o verbo TRISTAR?

Luciano Barosi
(Campina Grande, 07 de Junho de 2015)

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