O que realmente queremos dizer quando afirmamos que conhecemos alguém?
Parece razoável supor que conhecimento exige, no mínimo, a existência de dados da experiência.
No
presente caso refutarei completamente a objetificação de uma pessoa,
sujeito, de forma que podemos considerar esse problema uma instância da
classe de problemas de bi-subjetivação. Aplicável a alguns verbos como
amar, odiar, encontrar, conhecer, simpatizar...
Podemos
dividir em duas essa classe, aquela cujo verbo representa uma ação
abstrata e aquela cuja ação denotada pelo verbo é concreta.
A
primeira classe toda pode ser reduzida a análise do verbo ver,
considerando sua objetividade tão forte quanto possível na acepção de
que é necessário haver um emissor de luz e um receptor para que a ação
de ver ocorra da forma apropriada (ou sua negação ocorra, com a
inexistência da luz). Quaisquer flexões semânticas que se construam são
variantes sentimentais, de entonação, brilho que podem ser perfeitamente
cambiadas pela aspereza de estilo e maior simplicidade quando
necessário for o melhor entendimento.
É
o caso aqui de argumentar que o outro caso de bi-subjetivação, embora
aparentemente muito mais rico do que o primeiro, não é equivalente senão
ao uso de um único verbo também.
No panorama abstrato de dois humanos em abstrata ação cabe apenas analisar o significado verbo amor entre eles.
Para
que deixemos isso substantivamente claro acrescento alguns cuidados.
Consideraremos os casos de um verbo agindo sobre outro sujeito. Um
sujeito é um subconjunto do grupo de indivíduos (não necessariamente
humanos). É certo que o complemento de um grupo de indivíduos é também
um subconjunto do grupo de indivíduos e portanto é sempre possível
considerar a ação do verbo sobre o conjunto inicial ou sobre o seu
complemento que assume as vezes de negativa. Por óbvio todos os verbos
dessa categoria possuem suas negativas em sentido e completamos
perfeitamente o ciclo da língua e seus significados, graças a um
característica singular do corte de sujeitos que fizemos dotado de uma
topologia peculiar.
De maneira
mais clara, analisar "eu amo A" é idêntico em conteúdo semântico de "eu
não amo (não A)" e o operador lógico pode ser utilizado no nível da ação
de amar como também para conjugar um novo verbo "não amo" = odeio. E
tais procedimentos podem ser feitos para quaisquer verbos dessa classe.
Assim
deixamos evidente que podemos dividir pela metade a classe e considerar
apenas os verbos de ação "positiva" como "amar", "conhecer",
"desejar"...
Posto isso, ainda
quero deixar claro que a diferença entre todos os verbos dessa categoria
não é senão estilística. Podendo todos os seus sentidos serem reduzidos
ao entendimento do verbo amar justamente porque esse já contém em si o
necessário grau de subjetividade para obliterar as possíveis fronteiras
de definição entre os outros verbos aqui colocados.
Retornando
a questão do conhecimento, parece que a sentença "Eu conheço Eu" que
gramaticalmente assume a forma "Eu me conheço" é o mais próximo que
possuímos da identidade nesse conjunto de sentenças.
Contudo
o conhecimento pressupõe alguém que o adquire e portanto o Eu que é
conhecido não pode ser todo o Eu que conhece ao mesmo tempo, devendo em
cada momento esconder de si uma parte que ainda está por ser conhecida e
só o pode quando consideramos o infinito movimento de esconder e
revelar do sujeito. Em cada instante é quebrada a aparente cadeia
infinita e é possível, por pedaços conhecer mas não se resolve a
inteireza e há sempre uma arbitrariedade.
Dessa
ambiguidade surge a verdadeira resposta para o problema, os indivíduos
se auto-preservam e agem no que consideram ser seu melhor interessa.
Dessarte o Eu que conhece, sabiamente escolhe conhecer a melhor parte
disponível de seu Eu a cada instante e outro nome não podemos dar para
isso se não amor. Logo o conhecer a si mesmo não passa de amar a si
mesmo.
Não é relevante considerar
casos de pessoas que em verdade parecem não se amar porque essa seria
apenas uma camada a mais no ciclo desse amor infinito que conteria uma
etapa anterior em que o Eu sujeito observaria apenas o que consideraria
ser sua pior parte disponível, contudo estaria assim agindo segundo seu
prazer de se odiar.
Dessa forma
fica-se logo exposto que a questão do conhecimento como originalmente
colocado vai por terra completamente. Não há aqui que se falar em crença
justificada uma vez que tanto a crença como a justificação estão ao
dispor do Eu que deseja conhecer. Ou seja, nego em absoluto a
possibilidade de um conhecimento interno de um indivíduo que não seja
para atender a seus interesses, ou seja, para que continue se amando, ou
seja, para garantir sua preservação. Sem que se use o recurso de alguma
moral absoluta, resta para o autoconhecimento garantir que se faça o
melhor para si em cada momento, o que não é pouco. Qualquer outro
escrutínio interior é totalmente vazio de significado.
Talvez no intuito de investigar o mais simples tenhamos quedado numa patologia. O que será então de conhecer alguém?
Qual
é o experimento ideal que podemos realizar para conhecer de alguém? É
possível que façamos qualquer medida dessa natureza sem que coloquemos
toda a nossa natureza também a ser medida?
Talvez
eu possa conhecer de alguém por ler distanciadamente tudo quanto for de
uma narrativa acerca dessa, mas não há nenhuma diferença disso a
leitura de um bom (ou mau) romance, onde julgamos conhecer os
personagens. Contudo é ao autor que eles servem e podem mudar
drasticamente conforme seja esse o comando da mente letrada que ela
também não pode resistir e também se entrega, na escrita.
Se não podemos sequer contar a história de outrem sem que nos misturemos, como poder conhecer alguém?
É
apenas o conjunto EU e OUTRO que pode SE conhecer. E nesse caso é
novamente a identidade levantada acima e novamente NÓS AMAMOS é o que
está em jogo.
Não significa de
maneira alguma que não haja aqui questões com a perspectiva, é apenas de
nosso próprio ponto de vista que CONHECEMOS, ou AMAMOS.
Aqui
talvez esteja uma grande razão para a inexistência do verbo FELIZAR,
que colocaria como imposição o alinhamento de perspectivas de maneira
perene. Se conseguimos nos alinhar ora aqui ora ali, com aqueles que
consideramos nossos próximos, devemos nos dar por satisfeitos.
Teria o cético um consolo ao pensar que tampouco deve existir o verbo TRISTAR?
Luciano Barosi
(Campina Grande, 07 de Junho de 2015)
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