(*Cuidado: Esse texto pode conter elementos politicamente incorretos. Use com discrição!)
A figura acima representa o
Market Share das cervejarias no Brasil. Embora eu não tenha
achado uma imagem mais atual, os números são essencialmente os mesmos para o
ano de 2015.
É bastante diferente do que vemos
nas prateleiras dos supermercados ou nos cardápios de bares e restaurantes
simplesmente porque poucas companhias controlam grande número de marcas, ou
produtos. Existe uma óbvia desproporção entre toda a concorrência e a
gigantesca Ambev. Não vamos nos preocupar com isso, vamos tomar um case study
com uma das três pequenas.
A empresa Brasil Kirin tem um
lucro bruto anual superior a R$ 1 Bilhão, equivalente ao orçamento das maiores
Universidades Federais. Ela é dona de marcas populares como Schin, Nova Schin,
Devassa, e marcas premium como Eisenbahn e Baden Baden.
Façamos um exercício mental e
consideremos a cessação da prestação do
serviço de entrega dessa empresa. Em outras palavras, imaginemos as
consequências de uma greve. Certamente pode haver motivos vários para uma
suposta greve, no momento sugiro que sigamos a ótica do cliente perante o
fenômeno.
É lícito imaginar que a maioria
dos consumidores de cerveja estará muito pouco preocupado com as condições de
trabalho ou salariais da empresa cujo nome ele sequer conhece. Pode bem ser
verdade que a empresa utilize mão de obra escrava contrabandeada da indonésia,
matérias horríveis do Jornal Nacional, mas o cliente em geral não vai associar
a empresa ou nome da cerveja, ou vai esquecer disso quando estiver na mesa de
bar com os amigos.
Vou escrever mais de uma vez
aqui, a Lógica de Mercado é pervasiva,
as relações são de clientes e prestadores de serviço.
Os consumidores de cervejas
populares vão notar a falta da bebida, reclamar um pouco talvez, mas não são consumidores
exigentes, os quesitos relevantes mesmo são o preço e a temperatura. Inevitavelmente
esses consumidores vão procurar outra cerveja e quem for gigante no ramo ganha
vantagem no novo nicho de mercado que surgiu (os órfãos da Schin, por assim
dizer), simplesmente porque pode fazer uma estratégia de marketing e preço
agressiva. Sem dúvida, para esse mercado vai ser importante destacar nas peças
publicitárias que se entrega o produto
sempre no prazo!
Os consumidores das cervejas
premium o fazem por um treinamento próprio, porque conhecem o produto, a
temperatura correta de cada tipo, as notas distintivas de seus sabores. Esses
consumidores apreciam o produto por sua diferença e conhecem essa diferença
porque experimentam diversos tipos, dessarte lamentarão a falta de uma das
modalidades de paladar, mas tem ao seu alcance tamanha diversidade que seguirão
a sua vida sem nenhum problema, com as cervejas alemãs, belgas, tchecas,
americanas, inglesas, Lager, Ale, Trapiche, Bock... até mesmo fazendo as suas
próprias experiências em home brewing que está ficando popular nesse mercado. Os clientes gourmet são independentes da
marca por abundância de mercado.
Concluímos:
- A paralisação das atividades é extremamente danosa para a empresa minoritária.
- A paralisação favorece a maior empresa do mercado.
- O público vai se acomodar sem nenhuma emoção.
- Se você fosse o patrão dessa empresa, melhor negociar logo com os trabalhadores.
- Estamos falando de cerveja, ora essa, apenas um luxo que existe em nossas vidas.
Nunca soube de uma greve de
distribuidores de cerveja, mas o exercício mental acima é tão óbvio em suas
consequências que pode lançar luz em situações aparentemente muito distintas,
mas que guardam similaridades fundamentais com nosso gedankenexperiment für
bier.
Estamos na iminência de (mais)
uma greve das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior). As afirmações
valem, em geral, tanto para Institutos como para Universidades, mas vou me
referir exclusivamente às Universidades. Vou me restringir ainda mais, e tratar
exclusivamente acerca da (possível) paralisação dos Docentes.
Do ponto de vista salarial a
categoria vem acumulando perdas consideráveis que nunca foram recuperadas desde
a década de 90. O salário de um professor doutor permite uma vida digna mas
apertada, principalmente em grandes cidades, situando a família desse professor
entre as classes C e B, a depender do número de filhos e do emprego dos outros
membros da família. Considerando a perda sensível do valor de compra do salário
nesse governo apenas, fica transparente a real necessidade de um ajuste
significativo, um plano de valorização do salário com algum prazo.
Os professores hoje vivem
malabarismos para sustentar o seu padrão de compra dos anos anteriores, aceitando
uma miríade de funções que são ofertadas pelo MEC ou MCT que permitem alguma
bolsa ou gratificação. Os professores mestres sofrem ainda mais e muitas vezes
é mais conveniente para eles a iniciativa privada. Tudo isso acarreta a
precarização das condições de trabalho.
O plano de carreira tem sofrido
avanços mas há bastante discussão na comunidade a esse respeito e a atual
versão não foi exatamente negociada.
A previdência é um capítulo à
parte, todos anteveem a “expulsatória” com 70 anos (torcendo para que se amplie
esse prazo) porque a aposentadoria dos docentes no novo regime é um acinte a
dignidade do ser humano.
Existem alguns ganhos aqui e
acolá no que se refere a condições de trabalho, mas a situação geral é bastante
desgastante e os proventos cada vez mais são carcomidos pelo dragão da maldade.
Em uma linha: Existe motivo de
sobra para reclamar.
A maneira usual de reclamar é a
convocação sistemática de greves. A história das greves das IFES mostra uma
grande ineficácia desse mecanismo: as greves duram muito tempo (no mínimo 1
mês) e os ganhos são escassos.
Existe motivo de sobra para
reclamar, mas por que a greve das IFES fracassa?
A lógica de mercado é pervasiva.
Quanto se está na Universidade,
ela se imiscui em todas as suas atividades e você vive inteiramente na
Universidade. Isso acontece desde a vida de alunos de graduação e pós-graduação
continuando na vida docente (a maioria dos docentes não teve outra experiência
profissional além da docência). A Universidade federal parece um mundo, tem
muita coisa, tem muita vida.... mas tem um mundo lá fora!
Existem cerca de 95 mil funções
docentes nas IFES, ¼ das 360 mil funções docentes do país. Somos professores de
1,5 milhão de estudantes, apenas 15% das 10 milhões de matrículas no Ensino
Superior, espalhados em todo o país.
15% é o Market Share das IFES, no
exemplo da cerveja, nós somos a Kirin! Cada greve é a cessação da prestação de
serviços de Educação para 1,5 milhão de estudantes, muito menos do que os consumidores
de Baden Baden. Esse número é
comparável a população da Zona Leste de São Paulo!
Alguns números podem colocar as
coisas em perspectiva. Para uma greve é IMPRESCINDÍVEL que alguém se sinta
prejudicado ou se solidarize e se mobilize. Se poucos professores de um pequeno
quantitativo se mobilizam com poucos estudantes de outro pequeno grupo não
temos nada, a não ser boatos! E faz parte da dinâmica social que não sejam as
maiorias engajadas a estarem nas ruas.
E aqueles diretamente
prejudicados? Podemos identifica-los apenas como os concluintes, 100 mil
pessoas, 13% do total brasileiro, e a sua maioria está realizando estágio em
algum lugar e portanto está imune a greve. Os efeitos da greve demoram entre um
e dois semestres para aparecerem.
E você está negociando com um
governo que investe R$ 12,5 bilhões do FIES, R$ 150 milhões no PROUNI e o
orçamento de todas as IFES juntas é de R$ 33 bilhões. A agenda da Universidade
Pública Gratuita e de Qualidade não vai ser atingida com greves, a lógica de mercado é pervasiva, as
greves vão sempre agravar o quadro e diminuir o Market Share das IFES!
E a situação é ainda pior para as
IFES. A educação superior brasileira é bastante minoritária, a despeito do
aumento do número de matrículas. Do ponto de vista dos 200 milhões de habitantes
do Brasil, fazer ensino superior é mais ou menos como beber Baden Baden: custa
cinco vezes mais caro e você vai ficar bêbado do mesmo jeito!
Esse é o país em que quem possui
um diploma são “eles”, quem possui um título de doutor, como muitos professores,
são “eles”. A greve de caminhoneiros em
Paris faz mais sucesso no Jornal Nacional do que a greve de professores, não
por qualquer suposta e oculta agenda de direita mas pelo óbvio motivo de que
estradas interditadas são uma imagem, salas vazias não são! Comitês de Greve
discutindo de braços dados com estudantes com palavras de ordem e latas são o
cotidiano, não são imagens que marcam a população "lá fora”.
Os alunos da educação básica são
50 milhões. 2,3 milhões são concluintes todo ano. Ofertamos 5 milhões de vagas
no sistema de Ensino Superior! Por um lado, estamos “do lado de fora”, pelos
que se importam, somos uma porta aberta, ou seja, com esse número de vagas vale
a lei de mercado, temos excesso de oferta no sistema.
O aumento das vagas nas IFES foi
uma grande conquista para a sociedade brasileira. O ensino superior brasileiro
no século XXI sofre uma revolução importante com imensas consequências, mas o
efeito da democratização do acesso ainda não se fez presente.
Nossa sociedade valoriza mais o
diploma do que a educação. O setor particular entrega a mercadoria no tempo
certo e a baixo custo. Esse baixo custo para o cidadão é causado por subsídios
governamentais. Ainda assim podemos comparar com o custo de um aluno do sistema
das IFES, cerca de R$2.000,00 por mês e notar que o sistema federal é muito
caro para a sociedade.
O sistema de educação superior é
avaliado de diversas formas, as comparações entre as IES são possíveis. Com
toda a discussão válida acerca dos métodos de avaliação, ainda assim, fica
claro que a qualidade encontra-se dos dois lados da cerca, tanto quanto a má
qualidade.
Fique claro, eu defendo a Universidade
Pública e Gratuita no Brasil. E por isso eu sou contra qualquer movimento que
contribua para enfraquecer sua posição. Sou contra a greve.
O setor público é responsável
pelas Universidades, quase em sua totalidade. O sistema particular tem as faculdades
e centros universitários que entregam o
produto no prazo. A educação universitária é um produto gourmet de mercado
restrito, como açafrão, trufas brancas, foie gras...
A Universidade é um altar para
adorar, não para sacrificar, o conhecimento. Conhecemos os efeitos das greves:
- Movimento docente pouco mobilizado;
- Pautas exógenas a causa docente, de matiz ideológica forte;
- Aumento da evasão dos cursos;
- Aumento da retenção na reprogramação dos períodos;
- Diminuição da qualidade de ensino nos novos calendários com interrupção prolongada;
- Aumento do consumo de cerveja de grande parte do corpo docente e discente ;)
As Universidades passaram muitas
décadas tentando explicar para a sociedade o caráter diverso do seu serviço,
dizendo que a lógica produtivista não se aplica. Bem, a sociedade entendeu que
a lógica produtivista não se aplica, o que os alunos recebem no cotidiano de
suas aulas parece a eles pouco relacionado com o produto que almejam. Se
permitimos 25% de falta na sua carga horária, se permitimos que passe com média
cinco, se permitimos que nossas aulas possam durar 10 ou 15 minutos a menos por
atrasos, acabamos ensinando que a maior parte do processo educacional depende
pouco dos professores e mais do empenho dos alunos!
Observem que é verdade mesmo que
o processo educacional está centrado no aluno, mas falhamos em demonstrar de
maneira inequívoca a importância do profissional da educação nesse processo
porque falhamos principalmente em demonstrar um compromisso ético.
O estudante universitário é uma
minoria que talvez pudesse fazer a sociedade ver o que se passa na
Universidade, mas ele sente que a greve não o afeta senão pelo seu tempo de
conclusão de curso que pode aumentar em um período.
Estamos dispostos novamente a
desorganizar o calendário acadêmico com o calendário civil? Estamos dispostos a
prejudicar nossos clientes, mas também nossos amigos poucos com quem convivemos
todos os dias? Teremos a empáfia de cruzar os braços mais uma vez, estender
férias que beneficiam a produtividade acadêmica da pós-graduação, ainda mais
mais mais minoritária no país, permitir que seja mais fácil frequentarmos
congressos, simpósios, conferências, praias e bares?
Eu já ouvi frases como: “Não vou
entrar numa federal porque quero me formar no tempo.”, Não foi uma vez, não.
O Brasil tem 7,2 milhões de empregadas
domésticas. 76 vezes mais do que o número de docentes das IFES, que ganham
próximo à um salário mínimo e atendem pouco mais de 5% dos domicílios
brasileiros. Essa minoria teve acesso a direitos trabalhistas muito
recentemente, imaginem o que aconteceria com uma greve de empregadas
domésticas? Não imagino que alguém chegou a pensar que seria uma comoção
nacional, mas mobilizaria mais público do que uma greve das IFES.
2100 palavras para dizer que
considero a proposta de greve nas circunstâncias de hoje nociva, imoral e
inútil do ponto de vista trabalhista.
A estratégia errada repetida mil
vezes não vai subitamente funcionar.
O que é verdadeiramente
necessário é compreender que o setor ligado a SeSU é importante como elemento
indutor de políticas do governo e também como balão de ensaio. Muitos dos
quadros que formulam as políticas vem do setor público, são nossos colegas. Não
é razoável supor que se transformem em outras pessoas ao mudar de lado do
balcão.
Se fosse pensar em uma manobra de
impacto em vez de Greve, posso sugerir que todas as IFES removam seus docentes
cedidos para funções públicas no executivo estadual ou federal. Uma outra manifestação, dessa vez do outro lado da cerca da lei, na linha de ciberataques aos sistemas do MEC ou INEP. Com a rede RNP seria muito difícil conseguir evitar isso sem deixar algumas cidades sem acesso à Internet!
A proposta acima é uma bobagem,
mas não machuca futuros como uma greve faria. Seja o que for, para se manifestar na democracia é importante uma certa bagagem, tem que ler Tocqueville, os autores da intangível escola dita de Frankfurt, Bordieu...
A despeito de todas as ironias
desse texto, a despeito da dureza com que me referi ao movimento grevista acho
que é nesse parágrafo que atingirei o clímax da insurreição. A única saída para
a Educação Superior Pública brasileira é se colocar estrategicamente na agenda
de Estado, sem agir como crianças birrentas com pouca mesada, mas como
instituições protagonistas da formulação de políticas públicas – colocado de
outra forma, o maior aliado da educação superior pública de qualidade é a
ANDIFES, não o ANDES.
Pela Universidade Pública
Brasileira
Pela garantia de Ensino Superior
de Qualidade para a Sociedade Brasileira
Pelo melhor futuro para a
Pesquisa de Qualidade
A Universidade não pode parar!
Luciano Barosi de Lemos
Campina Grande, 09 de Maio de 2015
(O Autor é Pernambucano, Bacharel e Doutor pela USP, Pós-doutorado na UNESP e teve experiências como professor na Educação Básica - ciclo 2 e Ensino Médio em São Paulo, foi professor substituto na UnB e professor de instituições privadas em Brasília. Hoje é professor da UFCG e coloca aqui a sua opinião pessoal apenas)
Fontes do Texto:
Projeto de Lei Orçamentária Anual - PLOA 2014
Censo da Educação Superior - Sinopse Estatística - 2013
Cendo da Educação Básica - Sinopse Estatística - 2013
IBGE - Censo 2010
Campina Grande, 09 de Maio de 2015
(O Autor é Pernambucano, Bacharel e Doutor pela USP, Pós-doutorado na UNESP e teve experiências como professor na Educação Básica - ciclo 2 e Ensino Médio em São Paulo, foi professor substituto na UnB e professor de instituições privadas em Brasília. Hoje é professor da UFCG e coloca aqui a sua opinião pessoal apenas)
Fontes do Texto:
Projeto de Lei Orçamentária Anual - PLOA 2014
Censo da Educação Superior - Sinopse Estatística - 2013
Cendo da Educação Básica - Sinopse Estatística - 2013
IBGE - Censo 2010
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